O termo Five Eyes (do inglês “Cinco Olhos”) refere-se a uma das alianças de inteligência mais antigas, secretas e eficazes da história contemporânea. Formada por cinco países de língua inglesa — Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia — essa rede opera sob um sistema de compartilhamento profundo de informações sensíveis, sobretudo relacionadas à segurança nacional, defesa e ciberinteligência. Apesar de pouco conhecida fora dos meios especializados até os anos 2000, a expressão Five Eyes tornou-se cada vez mais presente em debates sobre privacidade, soberania e cooperação internacional em tempos de ameaças assimétricas e geopolíticas emergentes.
Histórico e cronologia do five eyes
A história da aliança Five Eyes remonta à Segunda Guerra Mundial e atravessa as principais transformações do sistema internacional nas décadas seguintes. Sua cronologia é marcada por eventos históricos que consolidaram o grupo como uma rede de vigilância global.
1. Origens na Segunda Guerra Mundial (anos 1940)
- A cooperação começou informalmente durante a Segunda Guerra Mundial, inspirada na Carta do Atlântico, e evoluiu para o Acordo BRUSA (1943), culminando no UKUSA em 5 de março de 1946.
2. Expansões pós‑2ª Guerra e Guerra Fria
- O Canadá ingressou em 1948; Austrália e Nova Zelândia se juntaram em 1956, consolidando o grupo como five eyes.
- Durante a Guerra Fria, foi criado o sistema de vigilância global ECHELON, formalizado em 1971, para monitorar comunicações do bloco soviético — e posteriormente expandido ao mundo inteiro.
3. Era pós‑11 de setembro e guerra ao terrorismo
- Após os ataques em 2001, os países do five eyes intensificaram suas capacidades de vigilância como parte da guerra global ao terrorismo.
4. Revelações de Snowden (2013)
- Documentos vazados por Edward Snowden expuseram programas secretos de espionagem operados ou com contribuição de membros do five eyes, provocando um debate global sobre privacidade e controle governamental.
5. Expansões paralelas e acordos associados
- Além dos cinco membros originais, surgiram arranjos como Nine Eyes e Fourteen Eyes, envolvendo países europeus e ampliando o escopo de cooperação.
Objetivos e finalidades do Five Eyes
A aliança Five Eyes vai além do simples compartilhamento de dados. Seu escopo estratégico está centrado em missões de segurança nacional, estabilidade internacional e proteção de infraestruturas críticas. A seguir, apresentamos os principais objetivos da coalizão.
- Compartilhamento extensivo de inteligência: Inclui SIGINT (inteligência de sinais), HUMINT (humana), MILINT (militar), GEOINT (geoespacial) — graças ao acesso conjunto às fontes e à análise cruzada.
- Alta confiança e interoperabilidade: A aliança se baseia em confiança mútua, minimizando retenções de informação e possibilitando ações coordenadas de segurança e defesa nacional.
- Incidência geopolítica e securitária: Atuação conjunta em temas como cibersegurança, terrorismo, migração irregular, crimes transnacionais e desinformação.
- Preservação de liberdades e segurança interna: Apesar das críticas, a aliança opera dentro de regimes democráticos com estruturas de controle e supervisão.
Curiosidades e fatos históricos
Além de seu funcionamento técnico e operações sigilosas, a história do Five Eyes é repleta de episódios marcantes e controvérsias que despertam interesse até fora do campo da inteligência. Nesta seção, destacamos algumas curiosidades e momentos emblemáticos que ajudam a compreender melhor a dimensão dessa aliança.
- Sobre a criação do Five Eyes: Surgiu formalmente em 1946 com o UKUSA, evoluindo de negociações estratégicas desde a Segunda Guerra Mundial.
- ECHELON como rede de vigilância global: Projetado originalmente para espionagem ao bloco soviético e EUA, tornou‑se uma infraestrutura global de coleta de dados.
- Revelações de Snowden: Impactaram profundamente o debate público sobre privacidade e legalidade das ações da aliança.
- Debate sobre “backdoors” em criptografia: Em 2018, os membros defenderam que “privacidade não é absoluta” e exigiram que empresas permitissem acesso legal a dados criptografados.
- Uso político da inteligência compartilhada: Em 2023, informações do Five Eyes foram usadas para sustentar acusações do Canadá contra a Índia sobre assassinato político.
- Pressões e tensões internas: Em 2025, Peter Navarro sugeriu expulsar o Canadá da aliança para pressionar em negociações comerciais, gerando forte reação internacional.
Capacidades dos atores componentes do Five Eyes
Cada membro do Five Eyes aporta um conjunto robusto de capacidades, agências especializadas e infraestruturas tecnológicas que, somadas, constituem uma das redes mais sofisticadas de vigilância e inteligência do mundo. Conhecer essas estruturas ajuda a entender a amplitude e o alcance da aliança.
Austrália:
- Australian Signals Directorate (ASD): coleta SIGINT, ciberdefesa e operações ofensivas no ciberespaço.
- Australian Secret Intelligence Service (ASIS): operações clandestinas no exterior.
- Australian Security Intelligence Organisation (ASIO): contrainteligência e segurança doméstica.
- O país também abriga estações do ECHELON, como Pine Gap.
Canadá:
- Communications Security Establishment (CSE): coleta e análise de SIGINT, proteção cibernética de sistemas governamentais.
- Canadian Security Intelligence Service (CSIS): contrainteligência, terrorismo, ameaças domésticas.
- Participa ativamente da interoperabilidade com EUA em centros conjuntos e plataformas SIGINT.
Nova Zelândia:
- Government Communications Security Bureau (GCSB): responsável por SIGINT, cibersegurança e cooperação técnica.
- New Zealand Security Intelligence Service (NZSIS): coleta HUMINT e análise de ameaças internas.
- Hospeda instalações importantes do ECHELON, como a base Waihopai.
Reino Unido:
- Government Communications Headquarters (GCHQ): é o órgão central de SIGINT, com forte integração com a NSA.
- MI5 e MI6: focam em segurança interna e espionagem internacional, respectivamente.
- Atua em operações conjuntas com CIA e NSA, e compartilha acesso a cabos de fibra óptica submarinos.
Estados Unidos:
- National Security Agency (NSA): é o maior polo de coleta SIGINT do mundo.
- Central Intelligence Agency (CIA): lidera a coleta HUMINT e operações de campo.
- Federal Bureau of Investigation (FBI): segurança interna e contraterrorismo.
- A infraestrutura americana lidera o desenvolvimento de sistemas como PRISM, XKEYSCORE e MUSCULAR.
Também destaca-se o Five Eyes Air Force Interoperability Council (AFIC), criado para padronizar operações aéreas entre os membros, promovendo doutrinas comuns, intercâmbio de tecnologias e exercícios conjuntos. A capacidade de integração técnica e logística das forças armadas dos cinco países é um dos pilares do poder dissuasório da aliança.
Considerações finais
Ao longo de quase 80 anos, o Five Eyes consolidou-se como o mais duradouro e eficaz acordo de compartilhamento de inteligência internacional. Apesar de operarem sob valores democráticos, seus membros enfrentam dilemas entre segurança e liberdade, transparência e sigilo. O equilíbrio entre esses fatores determinará o futuro da aliança em um mundo cada vez mais digital, competitivo e instável.
Referências