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Mão Morta: O Sistema de Retaliação Automática Nuclear Russo

  • 1 agosto, 2025

O sistema russo conhecido como Perimetr, apelidado no Ocidente de “Mão Morta” (Dead Hand), representa uma das expressões mais radicais da doutrina de dissuasão nuclear desenvolvida durante a Guerra Fria. Longe de ser apenas uma anedota de manuais militares ou um conceito distópico, o sistema Mão Morta materializa uma estratégia de sobrevivência automatizada para o Estado russo diante de um cenário de colapso total provocado por um ataque nuclear.

Neste artigo, exploramos as origens históricas, os fundamentos técnicos e os debates contemporâneos sobre sua funcionalidade e relevância estratégica.

Origens: o trauma da vulnerabilidade e a engenharia do apocalipse

O Perimetr foi desenvolvido no início da década de 1980, em um contexto de crescente tensão entre a União Soviética e os Estados Unidos. Dois eventos foram decisivos para acelerar sua concepção:

  • A implantação de mísseis Pershing II na Europa Ocidental, com tempo de voo até Moscou inferior a 10 minutos;
  • O incidente da missão sul-coreana KAL 007 (1983) e o subsequente exercício da OTAN, Able Archer 83, que levou a liderança soviética a crer que um primeiro ataque nuclear era iminente.

A conclusão em Moscou foi inequívoca: seria possível que um ataque “decapitante” destruísse a cadeia de comando antes que qualquer contraofensiva fosse autorizada. O sistema Mão Morta surgiu como resposta a essa vulnerabilidade existencial.

Como funciona o sistema Mão Morta?

O Perimetr é um sistema automatizado de comando e controle nuclear que pode autorizar o lançamento de mísseis mesmo na ausência de comunicação com o alto comando. Segundo fontes como o especialista Pavel Podvig e a Federation of American Scientists, ele é composto por:

  • Sensores sísmicos, infravermelhos e de radiação, capazes de detectar detonações nucleares em solo russo;
  • Postos de comando redundantes e protegidos, capazes de analisar comunicações militares e civis para avaliar se houve colapso da cadeia de comando;
  • Mísseis de comando, como o UR-100UTTKh (SS-17), que sobrevoam o território russo transmitindo códigos de autorização de lançamento para silos e submarinos;
  • Algoritmos de decisão programados com critérios complexos, que cruzam dados ambientais, de comunicação e ordens recebidas.

Vale destacar que, de acordo com diversas fontes, o sistema não é totalmente autônomo: ele precisa ser ativado manualmente em momentos de crise, colocando-se em “modo de vigia”.

Documentos, depoimentos e relatos confirmatórios

Apesar do alto grau de sigilo, diversos relatos jornalísticos e declarações de ex-oficiais confirmam a existência e a operação do sistema. Em entrevista à revista Wired (2009), o cientista russo Valery Yarynich, que participou do desenvolvimento do sistema, confirmou os princípios de funcionamento do Perimetr. Em 2018, um documentário da rede RT intitulado “Soviet Storm: Secrets of the Cold War” também abordou o tema.

Em 2011, o jornal The New York Times publicou uma matéria com base em documentos desclassificados do Departamento de Defesa dos EUA que faziam referência ao sistema com preocupação real sobre suas implicações para a estabilidade estratégica.

Mão Morta na doutrina nuclear contemporânea russa

A Federação Russa herdou o sistema da União Soviética e, segundo análises da Nuclear Threat Initiative e do Center for Strategic and International Studies (CSIS), ele foi modernizado após 2009. Com a reformulação da doutrina militar russa em 2014, que passou a admitir o uso de armas nucleares em resposta a ataques convencionais existenciais, o papel do Perimetr voltou ao centro dos debates.

Curiosamente, a mão morta também funciona como ferramenta psicológica: por mais que não se saiba com precisão seu status operacional, sua mera existência desencoraja ataques de preempção.

Implicações do Mão Morta para a estabilidade global

O sistema Mão Morta levanta dilemas profundos no campo da estratégia e da ética militar:

  • A automatização parcial da resposta nuclear reduz o tempo de decisão e amplia os riscos de erro;
  • Em um cenário de conflito cibernético, sistemas como o Perimetr tornam-se alvos sensíveis para interferências externas;
  • A incerteza quanto ao seu uso pode gerar escaladas involuntárias em situações de crise, como visto na guerra da Ucrânia.

Conclusão

Discutir o sistema Mão Morta é debater os limites da racionalidade estratégica e o legado da Guerra Fria que ainda persiste nas relações internacionais. Para estudiosos de geopolítica, decisores públicos e profissionais de defesa, entender o Perimetr não é apenas um exercício histórico, mas uma necessidade diante de um cenário global cada vez mais instável e tecnologicamente imprevisível.

Referências

  • Podvig, P. (2001). Russian Strategic Nuclear Forces. MIT Press.
  • Wired Magazine. (2009). The Dead Hand Lives.
  • RT Documentary. (2018). Soviet Storm: Secrets of the Cold War.
  • The New York Times. (2011). Cold War Doomsday Machine Still Exists.
  • Federation of American Scientists (FAS). Status of World Nuclear Forces.
  • Center for Strategic and International Studies (CSIS). Russian Nuclear Strategy: Past, Present, and Future.
  • Nuclear Threat Initiative (NTI). Russia’s Nuclear Doctrine.

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