A soberania é um dos pilares centrais da ordem internacional e da organização do poder político moderno. Apesar de ser um conceito amplamente utilizado em discursos políticos, jurídicos e geoestratégicos, sua compreensão requer uma análise profunda, que considere sua origem histórica, suas transformações ao longo dos séculos e seus desdobramentos no contexto contemporâneo.
Neste artigo, propomos uma reflexão ampla e crítica sobre o que é soberania, partindo de suas raízes clássicas até os desafios impostos pelas novas fronteiras digitais.
O termo “soberania” deriva do latim superanus, que significa “superior”. Algumas fontes também indicam sua derivação do latim supremitas e potestas, que significam “poder supremo”. A ideia de uma autoridade suprema, que não reconhece nenhuma outra acima de si, remonta às estruturas políticas da Idade Média, mas foi com o surgimento do Estado moderno que a soberania passou a ter um significado técnico e estruturante.
A consolidação do conceito está ligada ao filósofo francês Jean Bodin (1530–1596), que, em sua obra “Os Seis Livros da República” (1576), definiu a soberania como o poder absoluto e perpétuo de uma república. Bodin argumentava que a soberania deveria ser indivisível e centralizada, sendo o soberano o único detentor legítimo da autoridade política.
Outro marco importante foi o Tratado de Westfália (1648), que encerrou a Guerra dos Trinta Anos na Europa e consagrou o princípio da soberania estatal. A partir desse tratado, os Estados europeus passaram a ser reconhecidos como unidades políticas autônomas e iguais, com direito exclusivo de exercer autoridade sobre seus territórios sem interferência externa.
A soberania é abordada de diferentes formas nas teorias políticas e no direito internacional. Em termos gerais, podemos distingui-la em duas dimensões principais:
No direito internacional, o princípio da soberania é consagrado na Carta das Nações Unidas (1945), especialmente no artigo 2º, que afirma a igualdade soberana entre os Estados-membros. Esse princípio é também reforçado em documentos como a Convenção de Montevidéu (1933), que estabelece os critérios para o reconhecimento de um Estado: população permanente, território definido, governo e capacidade de entrar em relações com outros Estados.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 consagra a soberania como um dos fundamentos da República (Art. 1º, inciso I) e como um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil (Art. 4º, inciso I).
Com a intensificação da globalização nas últimas décadas, a soberania passou a ser objeto de debate quanto à sua efetividade. O aumento da interdependência econômica, o fortalecimento de instituições multilaterais e a emergência de novos atores transnacionais desafiaram a exclusividade da autoridade estatal.
Alguns exemplos desses desafios incluem:
Apesar desses fatores, a soberania não desapareceu. Ao contrário, ela se reconfigura em novas formas de exercício e negociação de poder. Estados continuam sendo os principais atores na arena internacional, mas precisam adaptar sua soberania a um ambiente mais complexo e dinâmico.
No campo da segurança e da defesa, a soberania é elemento fundamental. A capacidade de proteger fronteiras, manter a ordem interna e projetar poder são expressões diretas da soberania estatal.
O conceito de segurança nacional está intrinsecamente ligado à soberania, conforme estabelecido em documentos como a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) do Brasil. A PND afirma que a preservação da soberania é um dos objetivos centrais da política de defesa do Estado brasileiro.
Além disso, a atuação das Forças Armadas está prevista no Art. 142 da Constituição Federal, que lhes atribui a missão:
“Defender a Pátria, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, a lei e a ordem”.
Nesse contexto, a soberania se expressa também na capacidade do Estado de controlar seu espaço aéreo, marítimo, cibernético e informacional. A vigilância e defesa de áreas estratégicas, como a Amazônia Legal e o Atlântico Sul (Amazônia Azul), são prioridades geoestratégicas.
No século XXI, a soberania enfrenta um novo e desafiador campo de disputa: o ciberespaço. A crescente digitalização das sociedades, a dependência de infraestruturas tecnológicas e a concentração de dados em plataformas privadas transnacionais colocam em xeque a capacidade dos Estados de exercer autoridade sobre seus domínios digitais.
A chamada soberania digital diz respeito à autonomia de um Estado para legislar, regular e proteger os dados e as infraestruturas digitais de seu território. Isso inclui:
O Brasil avançou nesse campo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018), que estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais e cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Contudo, a soberania digital exige investimentos em infraestrutura própria, como centros de dados, e o fortalecimento de capacidades de ciberdefesa.
Do ponto de vista internacional, debates sobre soberania digital têm ocorrido em fóruns como a Internet Governance Forum (IGF) e a Organização das Nações Unidas, mas ainda não há um consenso global sobre os limites da jurisdição estatal no ambiente virtual.
A soberania também possui uma dimensão democrática, especialmente nas democracias constitucionais modernas, onde o poder soberano emana do povo. A expressão “soberania popular” traduz a ideia de que o poder legítimo deve ser exercido em nome dos cidadãos e com sua participação.
Contudo, essa dimensão está em risco diante de práticas como:
A soberania democrática, portanto, exige não apenas eleições livres e regulares, mas também um ambiente digital seguro, instituições independentes e uma sociedade civil fortalecida.
A soberania permanece como um conceito essencial para compreendermos o funcionamento do sistema internacional e os desafios da governança estatal. No entanto, ela deixou de ser um poder absoluto e isolado, tornando-se cada vez mais relacional, condicionada por normas, acordos e disputas em múltiplos níveis.
Diante das ameaças cibernéticas, da desinformação, das dependências tecnológicas e das dinâmicas globais, a soberania hoje se traduz na capacidade estratégica de um Estado de preservar sua autonomia decisória, proteger seus interesses nacionais e garantir os direitos de sua população, dentro e fora do espaço físico.
Defender a soberania no século XXI é, portanto, um exercício de inteligência, resiliência e visão de futuro.
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