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utilitarismo x universalismo

Utilitarismo X Universalismo no poder decisório

  • 9 abril, 2020

Hodiernamente a ampla e complexa crise política, social, moral e econômica brasileira, decorrentes de anos de decisões equivocadas, foi sobrepujada pelos efeitos do Covid-19, que, por sua vez, poderá agravar cada um daqueles problemas. Tal fenômeno exige do tomador de decisão uma postura de líder. Ele terá que decidir questões polêmicas, sensíveis e cruciais. Algumas delas o colocarão no cerne do dilema filosófico entre decidir com base no utilitarismo ou no universalismo.

Essa é uma antiga conflitualidade ética que assola a humanidade, e que, em verdade trata-se de um paradoxo de mesma natureza. O que difere o utilitarismo e o universalismo é a sua intensidade.

O poder decisório, com supedâneo na melhor metodologia científica, será capaz de diminuir as incertezas e mitigar potenciais impactos negativos desse fenômeno? E, se desse processo originar decisões impopulares, mas com consequências boas à população? Qual será o tamanho do ônus? Ele estará disposto a assumir?

Caso o poder decisório busque guarida na ética utilitarista estará promovendo, no pensamento dos filósofos Jeremy Bentahm e John Stuart Mill a felicidade global, não do particular, mas de todos os indivíduos afetados. Tal decisão restará moralmente correta, independente de paixões singulares.

De outra sorte, caso o poder decisório busque supedâneo na ética universalista, tal decisão somente será levada a termo se não trouxer prejuízo a absolutamente nenhum indivíduo em particular, independentemente do benefício à maioria da população. Eis o dilema.

O renomado professor de filosofia política Michael Sandel, que leciona na Universidade Harvard e ministra o curso “Ética e Justiça: O que é o certo a fazer”, fez a seguinte pergunta aos seus alunos: A vida tem preço? A resposta foi uníssona: Não! Então, ele relatou que certo fabricante de cigarros fez um estudo demonstrando que, por conta da disseminação do cigarro, as despesas públicas com hospital e previdência eram menores, uma vez que as pessoas morriam mais cedo. Por meio dessa lógica, foi pleiteada a redução dos impostos.

Tal dilema está presente em grande parte dos hospitais públicos do Brasil, em geral, superlotados e carentes de equipamentos. Invariavelmente os médicos são instados a decidir pela vida de um ou de outro paciente. Quem vai viver e quem vai morrer? Só existe um equipamento, só há uma vaga na UTI. Claro que ele segue os protocolos da OMS. Mas, no fundo, terá que decidir.

Evidente que não há uma discussão entre o bem e o mal. Tanto a ética do utilitarismo quanto a universalista, objetiva o bem da sociedade. Aristóteles já ensinava que: Nossas atividades e nossas obras tendem sempre para um fim, que é um bem. Há uma hierarquia entre os fins; o fim último é o Soberano Bem, que é da alçada da Política, ciência suprema. O fim da Política é o bem da cidade, com o qual se identifica o bem do indivíduo. Tal bem e a felicidade, a mais desejável de todas as coisas.

Sobreleva assinalar que o valor de um ato está adstrito ao grau em que este aumenta a utilidade ou felicidade geral. Nessa dicção, um ato é bom ou ruim, proporcional ao grau em que eleva ou reduz a felicidade das pessoas. Assim, é possível que uma coisa boa venha a resultar de uma motivação ruim no indivíduo.

Na ética utilitarista, o critério para verificar a moralidade dos atos respalda-se nas suas consequências. Uma ação é boa ou má, consoante seja útil ou não para o maior número de indivíduos.

O poder decisório, influenciado pelo utilitarismo, terá como parâmetro o cálculo, a metodologia e os fins. Ou seja, a tomador de decisão valerá dos resultados e, muito particularmente, das consequências advindas dessa decisão. Razão pela qual, tal teoria é conhecida como consequencialista. Caso depare com várias alternativas, o tomador de decisão deverá eleger aquela cuja consequência trará maior beneficio ao maior número de indivíduos.

Segundo Aristóteles ‘de acordo com este ponto de vista, o critério do mérito é a virtude, e a justiça consiste em distribuir o bem (felicidade) tendo em conta a virtude’.

Nesse sentido, “se a justiça é, falando em sentido estritamente jurídico, o comportamento não arbitrário imposto mediante o sistema legal positivo, e então a justiça se funda na utilidade, posto que não há nada mais útil para a conservação da coesão social e para o desenvolvimento da vida coletiva que a conduta não arbitrária (Bacque, 1976, p.123).”

Finalizando, patenteamos que, independentemente de qual base ética será adotada: utilitarista ou universalista, o poder decisório remonta um exercício complexo, especialmente neste mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo.

A singularidade do momento torna a decisão absurdamente difícil. Como manter o bem-estar das pessoas e assegurar a saúde da população sem, contudo majorar aquelas crises já instaladas: crise política, social, moral e econômica?

 

    • Marco Polo Gerard Bondim
    • 16 dezembro, 2021
    Responder

    Prezado Paulo Santos,
    A dissertação específica acerca das duas éticas, universalismo x utilitarismo, foi feita com o rigor necessário e livre de isenção, tal qual uma transcrição sem juízo de valores.
    No entanto, não podemos dizer o mesmo no conjunto de seu texto, o que, talvez pela sua formação, tende visivelmente para a utilização do utilitarismo em relação à conjuntura atual do Brasil.

    • Paulo Santos
    • 25 abril, 2020
    Responder

    Os conceitos utilitaristas e universalistas nunca levam em conta, até onde lemos e aprendemos, valores religiosos, pois estas dicotomias são filosóficas (sem querer ser redundante) e os filósofos, em geral, não são religiosos. Isto leva a uma pergunta visceral,automática, óbvia: Onde Deus, causa primeira de todas as coisas, das dicotomias às filosofias?

      • catedra
      • 5 maio, 2020
      Responder

      Caro Paulo Santos.

      Agradecemos por sua importante contribuição. Como você teve a oportunidade de ler, nós dissertamos sobre o impacto da dicotomia utilitarismo/universalismo no poder decisório, descambando para a conflitualidade ética/filosófica. Entendemos a pertinência, a densidade e a sapiência de o seu questionamento, contudo, pelo menos diretamente, a perspectiva cristã, não esteve presente em nossa pesquisa exordial.

      Abraços, Clarindo A. Castro

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