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Atividade de Inteligência

Marco Legal da Atividade de Inteligência: o Projeto de Lei Nº 2.719/2019

  • 7 abril, 2021

A Atividade de Inteligência no Brasil tem abordagem diferenciada dos demais países que utilizam da técnica, por meio da legislação do Estado determinando os limites da tutela que concede suas ações, amparadas nos princípios da forma federativa e na democracia, o Projeto de Lei nº2.719/2019, de autoria do Senador Major Olímpio, trouxe à baila significativos dispositivos que regulam situações e relações que existiam na sombra do Sistema Brasileiro de Inteligência. O projeto é chamado informalmente de Marco Legal da Atividade de Inteligência e Estado.

Os objetivos do Marco Legal da Atividade de Inteligência

Embora a ideia constitucional de elaboração de legislações é aquela defina por Liebman, que aduz “A legislação põe e constitui as normas jurídicas, as quais têm um conteúdo abstrato e geral, a fim de que regulem em forma preventiva e hipotética as situações e as relações que surgem entre os homens que convivem em sociedade”, o Projeto do Major Olímpio prevê a formalização da falta de previsão da Lei 9.883/99 e decretos nº 3.695/00 e nº 4.376/02.

O projeto demonstra certo interesse que em primeira análise concentra-se na formalização por Lei Ordinária das ações e participação de instituições públicas que compõe a Sistema Brasileiro de Inteligência, mediante os convênios e os que constituem o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública.

A iniciativa legaliza as atividades de inteligência, que não tem natureza persecutória e que é pré-concebida como atos que violam a democracia no Brasil. Assim, a forma da Lei no seu sentido estrito permite que seja dado publicidade das ações de inteligência e contrainteligência, respeitando o caráter sigiloso.

Além disso, a lei se concentra em organizar estruturalmente os setores de inteligência e procedimentos especializados na matéria, como o tratamento aos integrantes dos setores de inteligência e contrainteligência, definição para as técnicas de operação de inteligência, que estava reservada à doutrina de inteligência, o que a lei e decretos anteriores não observaram, exceto quanto aos conselhos deliberativos. 

Na forma judicial, traz novidade quanto o juiz competente para processar e julgar pedidos que requerem autorização judicial para operar atividades de inteligência, bem como traz medidas que devem ser adotadas pelo Juiz para que atua nos processos que tratam sobre os assuntos sigilosos e sensíveis. Isto fará com que regimentos internos dos Tribunais sejam revisados e setores de inteligência nas Cortes implantem sistema complexos para proteção de dados e contraespionagem.

Ademais, consta na Lei procedimentos para infiltração, o que se pode confundir com aquelas prevista na Lei do Pacote Anticrime, que visa a persecução penal e por isso não pode ser tímida a sua exploração quanto as suas finalidades. Por outro lado, a formalização legal, permite ao servidor público, submisso ao princípio da legalidade, tenha possibilidades de trabalhar com efetividade.

Em uma visão futurística, o Projeto de Lei começa amadurecer a ideia de as operações de inteligência estarem presentes em Códigos Processuais ou tornarem-se Códigos de Processo específico às operações de inteligência, em razão da matéria ser fundamental para proteção do próprio Estado Democrático de Direito e pela significativa evolução tecnológica.

Embora o Projeto de Lei aborde o objetivo de estabelecer o marco regulatório da atividade de inteligência, é necessário que revogue a Lei nº 9.883/99 e recepcione ela em sua estrutura, para que de fato consolide o propósito do Projeto, visto que a terminologia é utilizada para encabeçar o ordenamento jurídico que versa sobre aquilo que se deseja regular. Além disso, a terminologia também se destina a abranger a matéria legislativa ao privado. 

Portanto, acredita-se que poderia ser utilizado a terminologia “Consolidação da Lei de Atividade de Inteligência de Estado”, assim, abarcar todos os dispositivos legais de leis esparsas num Projeto de Lei apenas, recepcionando-as ou deixando expresso sua revogação.

Com isso, haveria de evitar-se vícios na forma e no conteúdo do projeto, que trouxe definição para inteligência e contrainteligência, quando já existe outra Lei Ordinária que trata do mesmo assunto. Discorreu sobre infiltração sem contextualizar à Atividade de Inteligência, para não se assemelhar aquelas descritas na Lei do Pacote Anticrime.

Por fim, merece atenção para a estrutura dos setores de inteligência e órgãos central, mediante análise da proteção dos dados produzidos, relatórios e demais instrumentos importantes. Deve-se considerar que, realmente, não há possibilidade de que haja hierarquia entre as instituições e entidades. Não se apresenta justificativa para exclusão do atual Ministério de Justiça e Segurança Pública e demais Ministérios importantes para composição do Sistema.

Contudo, considerando que o produto da Atividade de Inteligência tem natureza fundamentada no sentido de proteger o Estado, realizar a salvaguarda das informações, preservação do interesse nacional, logo, não há possibilidade de limitar o manuseio do produto apenas à Entidade produtora, que no caso do Projeto de Lei propõe permissividade aos dirigentes eximir-se de prestar informações conforme objetivo precípuo-mor da Atividade de Inteligência e do conhecimento sensível, cuja amplitude abrange o território nacional e cuja proteção visa a manutenção da soberania do Estado .Neste aspecto, encontra-se um ponto crítico à segurança nacional.

Assim, pelo projeto permitir que apenas o dirigente, responsável pelo relatório de inteligência ou instrumento produzido pela Atividade de Inteligência, seja difundindo de acordo com o seu julgamento de conveniência e oportunidade (art.5º §2º), torna-se o ato administrativo subjetivo e pessoal. O parâmetro para decidir a difusão ou compartilhamento põe em risco os interesses da nação. Delega poder de decisão para um dirigente cuja responsabilidade será apenas às suas atribuições. No corpo do Projeto não prevê punição ou sanção àqueles que se eximem à prestar informações sensíveis ao Poder Executivo Federal ou Órgão Ministerial responsável, a depender do relatório.

É necessário que haja prestação compulsório dos relatórios de Inteligência à Abin, como órgão central e supervisor das atividades de Inteligência por Entidades e Instituições Públicas, sem que haja discricionariedade dos dirigentes quanto à sua difusão à Abin. Esta preocupação, dá-se em razão no risco que um setor de inteligência possa estar recrutado por inteligência diversa. Assim, questiona-se “quem espiona o espião?”.

Descentralizar a atividade de inteligência e deixar que sejam suas práticas utilizadas sem submissão à Abin, reduz a eficácia do Sistema de Inteligência Nacional, mitiga os esforços da contrainteligência nacional, mitiga a operação do Poder Executivo Federal em situações e fatos internos e externos (fronteiriços), Ente Federal que presa pela preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana.

Notas

¹Enrico Tullio Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. I, p.3.

 

Autor: Murilo Chimenes Sales Peres
Artigo produzido para o Módulo 02 – Arcabouço Legislativo de Inteligência – do Curso de Pós-Graduação Inteligência Estratégica de Estado – 2020
Professor: Ten. Cel. PM Alencar

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