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Análise de Inteligência: do informe à informação

  • 28 setembro, 2021

Em se tratando de análise de inteligência, transitamos diariamente entre a orientação, produção e difusão de informes e informações. O que diferencia os dois conhecimentos de inteligência é uma linha aparentemente tênue, mas considerável. Por isso, é necessário o exame da doutrina de inteligência e dos conceitos elencados em manuais e artigos a respeito do tema.

Inicialmente, com base na Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública, instituída pelo Decreto nº 10.777 de 24 de agosto de 2021, importante trazer uma das diretrizes elencadas no item 8.1, que trata justamente do trabalho de análise realizado diuturnamente por agências de inteligência do país, a saber:

“A atividade de inteligência de segurança pública deve abordar o fenômeno social da criminalidade de forma dinâmica, abrangente e sistêmica, por meio da produção de conhecimentos úteis, precisos e oportunos ao desenvolvimento de políticas e estratégias de segurança pública e defesa social.”

O informe e a informação, juntamente com a apreciação e estimativa, são os tipos de conhecimento de inteligência que todo o analista elabora. Objetiva-se neste estudo apenas tratar sobre os dois primeiros, em razão de terem pontos congruentes e ambos se tratarem de conhecimentos sobre fatos do presente ou do passado.

1. Informe e Informação

O informe, do latim informis, é conceituado no dicionário como: “sem forma definida e precisa; sem feitio.

A informação, que deriva da palavra latina informare, segundo o mesmo campo de pesquisa, é conceituada como o “ato ou efeito de informar-se” ou “o conjunto de conhecimentos acumulados sobre certo tema por meio de pesquisa ou instrução.

A partir dessas primeiras linhas é possível verificar, de pronto, que há diferenças entre ambos.

No campo da inteligência de segurança pública, cuja doutrina adotada é a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP, temos os seguintes conceitos de informe e informação:

Informe – É o conhecimento resultante de juízo(s) formulado(s), que expressa o estado de certeza, opinião ou dúvida frente à verdade, sobre fato ou situação passado e/ou presente. A sua produção exige o domínio de metodologia própria e tem como objeto apenas dados e situações pretéritos ou presentes.

Informação – É o conhecimento resultante de raciocínio(s), que expressa o estado de certeza frente à verdade, sobre fato ou situação passado e/ou presente. A informação decorre da operação mais apurada da mente, o raciocínio. Portanto, extrapola os limites da simples narração dos fatos ou das situações, contemplando a interpretação dos mesmos. A sua produção requer, ainda, o pleno domínio da metodologia da produção do conhecimento.

Na mesma esteira, Joanisval Brito Gonçalvez traz os conceitos de informe e informação, diferenciando-os apenas no que tange ao estado da mente do analista e às operações lógicas do trabalho intelectual.

Importante colacionar algumas observações referidas pelo autor citado.

“O informe pode ser entendido como um conhecimento que resulta de avaliação de situação ou fato (passado ou presente) com base em critérios como idoneidade da fonte e veracidade do conteúdo. Trata-se basicamente de um relato no qual são feitas conjecturas pelo profissional de inteligência. Elaborado sob os princípios da simplicidade e oportunidade. A informação resulta de raciocínio mais elaborado e que expressa a interpretação do analista quanto a situações passadas ou presentes. Não se trata de simples descrição ou relato, pois há uma análise da situação.”

2. Dado, Informação e Conhecimento na Análise de Inteligência

Para melhor entendermos o processo de produção do conhecimento dentro do contexto da análise de inteligência, onde informe e informação estão inseridos, vejamos alguns conceitos.

Dado é toda e qualquer representação de fato ou situação por meio de documento, fotografia, gravação, relato, etc., não submetido à metodologia para produção do conhecimento. As fontes de dados podem ser humanas ou tecnológicas.

Informação é a reunião ou conjunto de dados organizados. Toda informação necessita, a partir da sua obtenção, de tratamento analítico para que seja aproveitada no processo decisório.

Conhecimento é o produto do ciclo de inteligência com o resultado do processamento de dados.

3. Estados da mente diante da verdade

Num primeiro momento devemos entender que verdade consiste na perfeita concordância do conteúdo do pensamento (sujeito) com o fato (objeto).

Os estados da mente perante a verdade são: a ignorância, dúvida, opinião ou certeza.

Da ignorância, não decorre coisa alguma e neste estado não é possível a produção de conhecimento, seja informe, informação, apreciação ou estimativa.

Na dúvida a verdade não está clara, a mente está em situação de equilíbrio. No estado da dúvida só é possível a produção do tipo de conhecimento informe.

Em se tratando de opinião, falamos em probabilidades. Já a certeza, consiste no acatamento integral, pela mente, da imagem por ela formada. Na certeza não há o medo referente ao engano.

Frise-se que, em se tratando de informação o estado da mente é a certeza. Os informes podem ser produzidos no estado de certeza, opinião ou dúvida.

4. Operações Intelectuais

Já vimos que o informe utiliza a operação intelectual juízo e a informação utiliza o raciocínio, sendo esta uma operação intelectual mais dispendiosa na análise de inteligência.

Segundo o Manual Técnico – produção do Conhecimento de Inteligência do Exército Brasileiro, o ser humano pode realizar três tipos de operações intelectuais para conhecer determinados fatos e/ou situações: conceber ideias, formular juízos e elaborar raciocínios.

Ideia é a concepção, na mente do analista, de imagem de determinado fato ou situação, sem qualificação alguma.

Juízo é a operação intelectual pela qual a mente estabelece uma relação de ideias.

Já o raciocínio, é a operação intelectual pela qual a mente, a partir de dois ou mais juízos conhecidos, alcança outro desconhecido, que deles decorre logicamente.

Conforme o manual já citado, as operações intelectuais, diante das situações que se apresentam, irão influenciar na decisão sobre os tipos de conhecimento a serem produzidos.

5. Conclusões

Já dizia o poeta espanhol Antônio Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.”

Desenvolver atividades no campo da inteligência de segurança pública nos dias atuais é tarefa árdua.

Há diversos dados circulando de todas as formas em sites, aplicativos de mensagens, noticiários, devendo o analista de inteligência coletar ou buscar, com a interferência do elemento de operações, os fragmentos importantes para a produção de um conhecimento que seja amplo, claro, imparcial, objetivo e oportuno.

Os informes são produzidos e difundidos, normalmente, de maneira mais dinâmica e rápida zelando pelo princípio da oportunidade com a finalidade de levar consciência situacional ao tomador de decisão.

Como bem ensina Platt “é preciso sacrificar um pouco do desejo de produzir um documento completo e exato, em favor da oportunidade. O ser feito a tempo tem, geralmente, prioridade muito maior nas informações do que nos trabalhos de pura erudição.

A informação, embora deva atender ao princípio da oportunidade, merece um trabalho mais acurado de análise de inteligência, em que o analista, diante do todo coletado, utilizando-se ou não de técnicas de análise estruturadas, isoladamente ou em conjunto, produz um conhecimento no estado da mente certeza, sobre fatos atuais ou passados.

Importante que se diga que tanto para a elaboração de um informe quanto para informação deve ser utilizada a metodologia da produção do conhecimento, sendo a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública o documento que orienta os profissionais da área de inteligência da Segurança Pública.

Alguns ensinamentos devem orientar o profissional de inteligência na elaboração de informes e informações. A coragem intelectual descrita no sentido de questionar crenças importantes para si e o despir-se de ideias pré-concebidas é fundamental para a produção de um documento de inteligência isento. Ademais, a perseverança deve estar presente em todo o trabalho.

Washington Platt refere que um analista raramente deve “contentar-se com enunciar um fato. Deve oferecer fatos correlatos, propiciando a comparação. Com isto, sua produção irradiará o verdadeiro significado.”.

Ainda, do mesmo autor:

“Para a boa informação, é vital saber-se obter o máximo dos dados disponíveis. Eis o talento que justifica a existência de oficiais encarregados da produção de informações. É este o processo pelo qual o minério bruto dos informes é triturado, peneirado e refinado, transformando-se no ouro puro das informações acabadas.”

Por fim, vimos que o informe e a informação possuem pontos de semelhança, mas são produtos diferentes na sua essência. O primeiro atua no campo do juízo, o outro utiliza o raciocínio e, ainda, só opera no campo da certeza.

Ambos, entretanto, servem para assessorar o tomador de decisão com a finalidade principal de identificar ameaças e oportunidades.

Por Simone Viana Chaves Moreira, Delegada de Polícia Civil RS

Referências

BRASIL. Decreto nº 10.777, de 24 de agosto de 2021.
Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública.DNISP. 2015.
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. Niterói, RJ, 2018.
Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Manual Técnico. Produção do Conhecimento de Inteligência. 1ª Edição. 2019.
PLATT, Washington. A produção de informações estratégicas. 1967.
SENASP, Introdução à Atividade de Inteligência. 2019.
Dicionário Michaelis (https://michaelis.uol.com.br)

    • Cristiane Ramos
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Excelente artigo, Dra. Simone!! Orgulho de acompanhar sua trajetória brilhante nessa área!

    • Nadine Anflor
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Parabéns, Dra Simone! Excelente artigo. Orgulho.

    • Patrícia Tolotti
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Parabéns Delegada Simone pelo excelente artigo e pela incansável dedicação ao trabalho desenvolvido no Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da PCRS.

    • Araújo
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Tema sempre oportuno. Atualmente, não há ação policial bem sucedida, sem prévio assessoramento da Inteligência. As ações das forças de segurança pública devem ser precisas e cirúrgicas. Não há mais espaço para empirismo. Os recursos humanos, cada vez mais escassos, devem, sempre, ser guiados por uma estratégia, um norte, uma análise de inteligência.
    Parabéns, Delegada Simone!

    • Andre
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Meus parabéns pelo texto. Estudar os detalhes técnicos e conhecê-los a fundo é o que permite melhor empregar as ferramentas para o assessoramento imediato é correto. O dado pode ser repassado quase cru, inacabado. Mas o bom analista se preocupa em lapidá-lo, extrair dele novos juízos e formular raciocínios para que, no futuro, se possa compreender melhor os desafios enfrentados.

    • Diego Azevedo
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Parabéns a Delegada Simone Chaves, pelo brilhante artigo desenvolvido. No campo da análise de inteligência, sabemos da complexidade dos temas e a Dra. Simone, de forma objetiva e precisa, soube discorrer com muita propriedade.

    • Ronilson
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Muito bom! Por envolver um tema complexo, o texto foi simples, direto e esclarecedor.

    • Michele
    • 28 setembro, 2021
    Responder

    Excelente artigo, de fácil compreensão e de escrita apurada. Parabéns!

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