Este artigo oferece um guia exemplificativo dos Princípios de Inteligência de Segurança Pública, sem descuidar de princípios elencados em diversas doutrinas e obras que tratam sobre o assunto. Buscou-se colocar luz frente aos princípios que norteiam a Atividade de Inteligência para que os profissionais que atuam na área sempre se atentem à base sobre a qual a Inteligência está ancorada.
A partir das Doutrinas foi possível identificar princípios comuns à todas, com ensinamentos importantes para a Atividade de Inteligência. O trabalho foi elaborado através de pesquisa bibliográfica.
É fundamental que todo o profissional que atua na Inteligência de Segurança Pública seja conhecedor dos seus princípios, uma vez que são eles que devem nortear a atividade em seus ramos, Inteligência e Contrainteligência, sem negligenciar da importância desses princípios nas Operações de Inteligência. Pode se entender por princípio aquilo que vem antes, começo, nascedouro. “Proposição elementar que funda num juízo de valor e que constitui um modelo para a ação” (SISP – Fundamentos Doutrinários. Princípios de ISP, 2022).
Segundo a Doutrina Nacional de Inteligência (2016, pag. 96) princípios são “Concepções fundamentais que norteiam o exercício da Atividade de Inteligência”. Com isso, evidencia-se a importância de abordar esse tema, por vezes esquecido, tanto na escrita acadêmica, quanto no dia a dia do trabalho da Inteligência.
Neste estudo, serão abordados alguns princípios trazidos pela literatura da área, passando-se pelos princípios elencados na Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal, na Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência e na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública.
O objetivo desta escrita é dar clareza aos profissionais que atuam na área de Inteligência sobre os princípios que podem auxiliar a compreender a atividade e, mais ainda, entender a origem das diretrizes que dão suporte e sustentabilidade à Inteligência de Segurança Pública.
Como já visto, um princípio é aquilo que dá origem, base, arcabouço para o desenvolvimento de normas ou regramentos que regem determinada matéria. Na atividade de inteligência não é diferente, tem-se os princípios norteadores, que variam em algumas doutrinas, mas que procuram explicar a atuação da Inteligência de Segurança Pública, trazer segurança e dar direção a ela.
A Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal traz uma classificação diferente da DNISP e da Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência. Divide Princípios de Inteligência de Estado e Princípios de Inteligência Policial.
Para Gonçalves (2018) os princípios fundamentais da atividade de inteligência são a objetividade, a oportunidade, a segurança e a imparcialidade. Para esse autor, o princípio da objetividade ensina que a inteligência deve ser útil, ter finalidade e objetivo específico. Ainda, deve ser precisa, com linguagem clara e simples. Ademais, refere que todo o conhecimento produzido e operações desencadeadas devem ter caráter objetivo.
O princípio da objetividade para a DNISP (2015)
“consiste em cumprir suas funções de forma organizada, direta e completa, planejando e executando ações, de acordo com objetivos previamente definidos”.
O princípio da oportunidade, quando tratado pelas Doutrinas de Inteligência, ensina que a Atividade de Inteligência merece celeridade. Para a Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal (2022), o princípio da oportunidade está elencado entre os Princípios de Inteligência de Estado e discorre:
“Apregoa que as ações de inteligência devem ser efetivadas em tempo hábil, visando o assessoramento do processo decisório e a identificação dos óbices, das ameaças e possibilidades de atuação eficaz e efetiva.”.
Quando Gonçalves (2018) cuida do princípio da oportunidade traz o exemplo mundialmente conhecido dos ataques ao World Trade Center. Acredita-se que se houvesse obediência à diversos princípios que regem a atividade de inteligência, possivelmente, o ataque poderia ter sido frustrado. O princípio da oportunidade nos dizeres de Gonçalves (2018):
“preconiza que as informações devem ser produzidas e difundidas dentro de um prazo que possibilite sua completa e adequada utilização. Afinal, a inteligência como produto é passível de rápido processo de deterioração diante do tempo. […] a não -observância do principio da oportunidade pode inutilizar a inteligência produzida”.
O conhecimento transmitido sempre que possível deve ser oportuno, se não o for, perde-se o objetivo principal da inteligência, o assessoramento. Mas, mesmo que não seja factível a antecipação, os profissionais de inteligência não devem deixar de difundir o conhecimento. Sabe-se que em todo o conhecimento produzido, há frações que podem ser utilizadas posteriormente, mesmo se não se prestou ao assessoramento em tempo hábil. Por essa razão, mesmo que intempestivo, o conhecimento deve ser sempre entregue a quem tem a necessidade de conhecer.
O princípio da segurança é tratado por Gonçalves (2018) através de diferentes nuances na sua aplicação. Num primeiro momento, relaciona o princípio da segurança ao princípio da necessidade de conhecer, ou seja, para obedecer à segurança deve-se observar que só deverá ter conhecimento daquele documento produzido àqueles que tem a necessidade de conhecer o seu conteúdo. Sob um outro enfoque, o principio da segurança é associado à contrainteligência, da mesma forma que o faz a Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal, tendo como objetivo a salvaguarda dos conhecimentos. Por fim, o principio da segurança é tratado como a segurança que os profissionais de inteligência devem ter na elaboração dos seus trabalhos, sendo relevante a sistematização de processos, treinamento constante e atualização no campo das atividades. Ainda, o cuidado quanto à aplicação e difusão de uma Doutrina de Inteligência.
O princípio da imparcialidade no dizer da DNISP (2015)
“Conduz a atividade para ser isenta de ideias preconcebidas, tendenciosas, subjetivas e distorcidas”.
Tendo ciência do princípio da imparcialidade o profissional que atua na inteligência deve se despir de vieses cognitivos que podem levar a conclusões inadequadas.
A amplitude como princípio da inteligência de segurança pública norteia a atividade para que ela possa alcançar resultados cujo alcance seja completo, abrangente e preciso, com dados de diversas fontes e análise de diversas variáveis (DOUTRINA DE INTELIGÊNCIA POLICIAL DA POLÍCIA FEDERAL, 2022). Embora a amplitude seja necessária, é importante ela estar sempre interligada com o fator tempo, a oportunidade. Platt (1967, pag. 45) observa que
“[…] muitas vezes, é preciso sacrificar um pouco do desejo de produzir um documento completo e exato, em favor da oportunidade. O ser feito ‘a tempo’ tem, geralmente, prioridade muito maior nas informações do que nos trabalhos de pura erudição”.
O princípio da interação da DNISP (2015)
“Implica estabelecer, estreitar e manter relações sistêmicas de cooperação, visando otimizar esforços para a consecução dos objetivos da atividade de ISP”.
Na Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal ele é chamado de princípio da cooperação, tendo o mesmo sentido.
A atividade de Inteligência de Segurança Pública depende de cooperação entre as agências de inteligência dos diversos órgãos, isso porque, podem transitar nas agências informações incompletas que, a partir da integração, podem trazer significado para auxiliar os analistas a compor um documento que realmente faça sentido na tomada de decisão.
Na DNISP (2015) é trazido o princípio da permanência, que objetiva o fluxo constante de dados e conhecimentos. Este princípio serve para alertar o profissional de inteligência que a atividade é algo necessário e o estímulo pela coleta e busca de conhecimentos deve permear as agências de inteligência nos mais diversos órgãos.
O princípio da precisão na DNISP (2015) e o princípio da veracidade da Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal (2002) ensinam que a veracidade e os dados que constam no documento devem ser avaliados, para serem confiáveis e ter credibilidade.
Outro princípio que deve orientar a Atividade de Inteligência de Segurança Pública é o da simplicidade. O princípio da simplicidade visa evitar que o trabalho seja feito de forma complexa, com custos elevados e riscos desnecessários. Quando a atividade de inteligência quer fazer as vezes da atividade de investigação, verifica-se que, além de extrapolar dos seus objetivos principais, que não são a busca de provas, alguns riscos à Inteligência são verificados, como a exposição de técnicas operacionais e agentes.
Um dos princípios mais comuns às doutrinas de inteligência é o da compartimentação. Pela Doutrina utilizada pela Polícia Federal ele é um subprincípio que se refere à necessidade de conhecer. A necessidade de conhecer, segundo a DNISP (2015):
“É a condição inerente ao efetivo exercício de cargo, função, emprego ou atividade, indispensável para que uma pessoa possuidora de credencial de segurança tenha acesso a dados ou conhecimentos sigilosos. A necessidade de conhecer constitui fator restritivo do acesso, independente do grau hierárquico ou do nível da função exercida pela pessoa.”.
Tanto a DNISP, quanto a Doutrina Nacional de Inteligência da Polícia Federal, trazem o princípio do controle. Nesta, o princípio está entre aqueles referentes à Inteligência de Estado e diz:
“Corolário da democracia, o princípio do controle baseia-se na necessidade de submissão da atividade de inteligência a dispositivos de auditoria. O controle da atividade de inteligência é realizado de forma interna e externa. O controle interno diz respeito à orientação metodológica e organizacional das próprias instituições responsáveis pelo conjunto das atividades, com o objetivo de garantir a adequada produção e difusão do conhecimento. Já o controle externo é aquele realizado pela sociedade na figura do Poder Legislativo, na garantia da legalidade de métodos, processos e ações do profissional de inteligência.”. (DOUTRINA DE INTELIGÊNCIA POLICIAL DA POLÍCIA FEDERAL, 2022. Pag. 8).
A Escola Superior de Guerra diz que o princípio do controle:
“Estabelece a necessidade de organização dos diferentes escalões de informações e de centralização das atividades, nos mais altos escalões. Organização, consubstanciada em normas orientadoras, em face da ampla diversificação dos escalões produtores de informações; centralização, tendo em vista o âmbito abrangido pelas informações, que requer adequada difusão aos usuários interessados.”. (ESG, Manual Básico. 1976 apud GONÇALVES, 2018, pag. 129).
Por fim, o princípio do sigilo que para a Doutrina Nacional de Inteligência (2016) é a
“Restrição de acesso público a determinados conteúdos, em razão da imprescindibilidade dessa restrição à segurança da sociedade e do Estado”.
De fato, sempre que se pensa em inteligência logo ela é relacionada ao sigilo e, a partir da leitura das doutrinas de inteligência, logo entende-se o motivo. O sigilo é inerente à atividade justamente porque tem o caráter de antecipação a ações adversas e visa preservar a própria atividade de inteligência, seus integrantes e suas ações.
Sigilo para a Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal (2022) é:
“Aspecto fundamental da atividade, consiste na proteção e preservação das missões confiadas à inteligência, bem como dos métodos por ela empregados e dos resultados produzidos, observado o necessário equilíbrio entre compartimentação e direito de acesso à informação. Pauta-se pelo critério da necessidade de acesso à informação ou a suas circunstâncias de demanda e produção.”
O princípio da impessoalidade manifesta-se no sentido de que a atividade de inteligência delimitará a sua atuação no interesse do Estado, sendo vedada promoção de natureza pessoal.
Ainda, não expresso na DNISP (2015), mas na Doutrina de Inteligência Policial da Policia Federal é elencado como Princípio de Inteligência de Estado a legalidade e a eficiência. O primeiro estabelece a obediência ao ordenamento jurídico. O segundo, delimita que haja uma otimização no emprego dos recursos disponíveis, obedecendo a padrões de presteza, perfeição e rendimento, requerendo um planejamento.
Para elaboração deste artigo foi feita uma pesquisa bibliográfica em doutrinas de inteligência e literaturas a respeito do tema sem a pretensão de esgotar o assunto. A pesquisa bibliográfica, nos dizeres de Souza, Oliveira e Alves (2021):
“[…] é importante desde o início de uma pesquisa cientifica, pois é através dela que começamos a agir para conhecer o assunto a ser pesquisado, ou seja, desde o início, o pesquisador deve fazer uma pesquisa de obras já publicadas sobre o assunto pesquisado, investigando as conclusões e se ainda é interessante desenvolver a pesquisa sobre esse determinado assunto. Em toda pesquisa cientifica é importante apresentar o embasamento teórico ou a revisão bibliográfica que é elaborada na investigação de obras científicas já publicadas, para que o pesquisador adquira o conhecimento teórico. Através da pesquisa bibliográfica o pesquisador faz o levantamento de informações que sejam relevantes na construção da pesquisa científica. Dessa forma, em uma pesquisa científica, a pesquisa bibliográfica é importante no levantamento de informações relevantes que contribuam no desenvolvimento da pesquisa, na elaboração do tema e na revisão bibliográfica ou quadro teórico.”
Buscou-se com esse trabalho oferecer aos integrantes das agências de inteligência um guia sobre os princípios da Inteligência de Segurança Pública. Para tanto, utilizou-se as doutrinas mais usuais na Atividade de Inteligência de Polícia Judiciária.
É necessária uma permanente revisitação aos princípios que são a base da Atividade de Inteligência, mormente a Inteligência de Segurança Pública, diante da evolução que tem tido no cenário nacional. Os princípios, conforme já visto, é o verdadeiro anteparo sobre o qual a inteligência deve repousar, devem, portanto, conduzir os analistas e agentes de inteligência no labor diário.
Foi visto neste trabalho que os princípios são comuns nas doutrinas de inteligência, bem como nas obras consultadas, tendo pequenas variações. A Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal trouxe a inovação de dividir os princípios em Princípios de Inteligência de Estado e Princípios de Inteligência Policial. Esta novidade, que difere das demais doutrinas consultadas, deve ser encarada como uma evolução, já que é uma publicação recente sobre o tema.
A Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública, embora não faça essa diferenciação, traz onze princípios que, conforme já referido, são comuns, inclusive com a Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência.
O terreno se mostra fértil para novas abordagens e novas evoluções doutrinarias. O tema não é complexo, mas é de fundamental importância tanto na elaboração de regramentos, quanto para o direcionamento do que se espera da Inteligência de Segurança Pública.
Como já referido, o tema não se encerra, possui caráter exemplificativo e merece a atenção de todos para termos, cada vez mais, uma inteligência de segurança pública forte, confiável e sólida.
Por Simone Viana Chaves Moreira, Delegada de Polícia Civil RS
BRASIL. Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública. 2015
BRASIL. Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal. 2022
BRASIL. Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência. 2016.
GONÇALVES, J. B. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. (Niterói/RJ).
Editora Impetus. 2018
CUNHA, R. J. C. C. SISP – Fundamentos Doutrinários. Princípios de ISP. Acesso em 07 de maio de 2022.
PLATT, W. A produção de Informações Estratégicas. (Rio de Janeiro). Livraria Agir Editora. 1967.
Sousa, A. S. S. Oliveira, G. S. Alves, L. H. A Pesquisa Bibliográfica: Princípios e Fundamentos. 2021.
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