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Policiais trabalhando em sala de comando orcrim

Orcrim: o novo Sistema Nacional de Inteligência para Enfrentamento ao Crime Organizado

  • 10 dezembro, 2025

Em 8 de dezembro de 2025, o Ministério da Justiça e Segurança Pública instituiu o Sistema Nacional de Inteligência para Enfrentamento ao Crime Organizado (Orcrim), um sistema de informação com dados de inteligência sobre organizações criminosas, voltado a:

  • integrar bases de dados e agências de inteligência de segurança pública;
  • padronizar metodologias de identificação de membros e estruturas criminosas;
  • apoiar programas como o Programa Captura e o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).

O acesso ao sistema é restrito a órgãos de inteligência policial e de segurança pública, e a governança está sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp/MJSP).

1. O que é o Orcrim, exatamente?

O Sistema Nacional de Inteligência para Enfrentamento ao Crime Organizado – Orcrim é definido na Portaria MJSP nº 847/2025 como um:

“sistema de informação composto por dados de inteligência relevantes para o combate às organizações criminosas”

Em termos práticos, estamos falando de um repositório nacional de inteligência sobre:

  • organizações criminosas;
  • seus integrantes e redes de apoio;
  • informações que subsidiam investigações, operações e decisões estratégicas.

Segundo o comunicado oficial do MJSP sobre o lançamento do Programa Captura, o Orcrim funciona como a camada de inteligência que dá suporte às ações operacionais de captura de foragidos de alta periculosidade e ao enfrentamento articulado de facções e outras estruturas criminosas em todo o país.

2. Como o Orcrim se relaciona com o Programa Captura e o Susp

O anúncio do Orcrim foi feito junto ao lançamento do Programa Captura, que criou a chamada “lista vermelha” dos 216 foragidos mais procurados do país.

O Programa Captura:

  • é uma ação estruturante do Sistema Único de Segurança Pública (Susp);
  • articula polícias civis, militares e unidades de inteligência estaduais e federais;
  • usa uma matriz de risco para seleção de alvos prioritários (gravidade do crime, múltiplos mandados, vinculação com facções, atuação interestadual).

O Orcrim entra como:

  • infraestrutura de inteligência que integra e qualifica os dados;
  • ferramenta estratégica para interoperabilidade entre bancos de dados;
  • base para identificação padronizada de indivíduos e grupos vinculados ao crime organizado.

Assim, o Programa Captura “aparece” para a sociedade (lista de procurados, site, canais de denúncia), enquanto o Orcrim opera nos bastidores como plataforma fechada de inteligência.

3. Objetivos oficiais do Orcrim

A Portaria MJSP nº 847/2025 estabelece, no artigo 2º, os objetivos formais do sistema.

Em linguagem direta, são:

  • Qualificar bases de dados: Aprimorar a qualidade e a fidedignidade dos dados presentes nas bases dos órgãos envolvidos no enfrentamento ao crime organizado.
  • Integrar ações estratégicas e operacionais: Promover a integração em ações estratégicas, operacionais, de inteligência de segurança pública e em situações de crise.
  • Garantir interoperabilidade: Viabilizar a interoperabilidade entre sistemas e bancos de dados relacionados ao crime organizado (ou seja, fazer sistemas distintos “conversarem”).
  • Integrar informações de inteligência de segurança pública: Criar uma visão consolidada, em vez de conjuntos isolados de dados em cada órgão.
  • Estimular ações permanentes de combate ao crime organizado: Apoiar uma presença constante do Estado, e não apenas operações pontuais.
  • Padronizar a identificação de membros e organizações criminosas: Definir uma metodologia unificada para identificar indivíduos e grupos criminosos, reduzindo divergências entre estados e instituições.

Esses objetivos dialogam diretamente com diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e do Susp, que já preveem integração, interoperabilidade e uso de inteligência como pilares da política de segurança pública.

4. Quem participa do Orcrim e quem governa o sistema

4.1 Órgãos com acesso ao sistema

De acordo com o artigo 3º da Portaria MJSP nº 847/2025, o Orcrim poderá ser compartilhado entre as Agências de Inteligência das seguintes instituições:

  • Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp);
  • Polícia Federal (PF);
  • Polícia Rodoviária Federal (PRF);
  • Secretaria Nacional de Políticas Penais;
  • Secretarias Estaduais de Segurança Pública (ou congêneres);
  • Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal;
  • Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal;
  • Polícias Penais dos Estados e do Distrito Federal;
  • Sistemas penitenciários estaduais e do Distrito Federal (ou estruturas congêneres).

A portaria também prevê que outras agências de inteligência em segurança pública poderão aderir ao sistema, desde que justifiquem a necessidade (órgãos “partícipes”).

4.2 Governança

A governança do Orcrim é atribuída ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

Compete à Senasp:

  • definir normas e procedimentos para tratamento de dados;
  • disciplinar gestão, adesão, governança, manutenção e utilização do sistema;
  • estabelecer metodologias e requisitos técnicos.

Isso significa que a Senasp assume um papel de “autoridade gestora” do sistema no âmbito do MJSP, com forte componente de governança de dados.

4.3 Regras de segurança da informação e sigilo

Dois pontos formais merecem destaque:

  • Os dados do Orcrim são de acesso restrito, regidos pela Portaria MJSP nº 880/2019, que regulamenta o acesso e tratamento de informações e documentos no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
  • A portaria proíbe o uso direto das informações do sistema em inquéritos policiais ou procedimentos judiciais – ou seja, o Orcrim é um insumo de inteligência, não um banco de prova processual.

Além disso, a Portaria MJSP nº 847/2025 determina a aplicação das normas de Segurança da Informação e Credenciamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

5. Base legal do Orcrim e continuidade institucional

5.1 Portaria MJSP nº 847/2025 (ato instituidor)

O ato normativo que cria o novo Orcrim é a Portaria MJSP nº 847, de 8 de dezembro de 2025, assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

No preâmbulo, a portaria é fundamentada em:

  • Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023;
  • Decreto nº 11.348, de 1º de janeiro de 2023;
  • Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018 (que institui o Susp e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social).

Esses diplomas fornecem o marco político-normativo para políticas de segurança pública e coordenação federativa.

5.2 Revogação do sistema anterior (Portaria nº 115/2020)

A Portaria MJSP nº 847/2025 revoga expressamente a Portaria MJSP nº 115, de 13 de março de 2020, que havia instituído o Sistema Nacional de Inteligência de Apoio no Combate ao Crime Organizado – também chamado Orcrim.

A versão de 2020 já:

  • unificava dados de inteligência de agências de segurança pública;
  • tinha acesso restrito a PF, PRF, Depen (hoje Secretaria Nacional de Políticas Penais), polícias estaduais e sistemas penitenciários;
  • vedava o uso direto das informações em inquéritos e processos.

O novo ato de 2025 reformula o sistema, atualiza a governança (de Seopi para Senasp) e o insere em um contexto mais amplo de política de enfrentamento ao crime organizado, alinhado ao Programa Captura.

5.3 Marcos gerais da inteligência e da segurança pública no Brasil

Ainda que não citados diretamente em todos os trechos da Portaria 847, o Orcrim opera dentro de um arcabouço legal mais amplo, que inclui:

  • Lei nº 9.883/1999 – Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e cria a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN);
  • Decreto nº 8.793/2016 – Fixa a Política Nacional de Inteligência;
  • Decreto nº 14.503/2017 – Aprova a Estratégia Nacional de Inteligência;
  • Lei nº 13.675/2018 – Institui o Susp e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Além disso, a Portaria MJSP nº 880/2019 regula acesso e tratamento de informações no MJSP, oferecendo base para a classificação e proteção de dados de inteligência.

6. Estratégia e uso prático: para que o Orcrim tende a ser utilizado?

Com base nos objetivos formais e no posicionamento do MJSP, podemos interpretar o Orcrim como eixo de uma estratégia nacional de inteligência focada em organizações criminosas, com impactos em:

  • planejamento de operações integradas (federais e estaduais);
  • priorização de alvos (por exemplo, os 216 foragidos da lista vermelha do Programa Captura);
  • análise de redes criminosas, vínculos interestaduais e transnacionais;
  • suporte à gestão de riscos em segurança pública.

Do ponto de vista da gestão pública, o sistema contribui para:

  • reduzir duplicidade e divergência de dados entre órgãos;
  • elevar a capacidade de análise estratégica das unidades de inteligência;
  • oferecer um ponto único de referência sobre organizações criminosas para uso interno dos órgãos de segurança.

Importante reforçar: essa leitura é analítica, mas está ancorada nos objetivos expressos da portaria e nas descrições oficiais do MJSP e da imprensa especializada.

7. Cooperação federativa e cooperação internacional

7.1 Cooperação federativa

A arquitetura do Orcrim é claramente federativa:

  • integra PF, PRF e órgãos federais;
  • conecta-se às polícias civis, militares e penais dos estados e do DF;
  • envolve secretarias estaduais de segurança e sistemas penitenciários.

Na prática, isso reforça diretrizes do Susp, que busca articular políticas nacionais com execução descentralizada.

O próprio Programa Captura é descrito oficialmente como ação permanente do Susp, voltada à cooperação entre forças de segurança federais e estaduais.

7.2 Cooperação internacional

A Portaria 847/2025 não trata explicitamente de compartilhamento internacional de dados do Orcrim. Qualquer afirmação nesse sentido precisaria de base normativa específica — o que, até o momento, não foi divulgado.

Por outro lado, é público que o Brasil vem intensificando sua cooperação internacional no combate ao crime organizado, com:

  • acordo com a Interpol para fortalecer a cooperação contra o crime organizado transnacional;
  • tratados e acordos no âmbito do Mercosul, incluindo temas como recuperação de ativos e tráfico de pessoas;
  • acordos recentes com AMERIPOL, Europol e outros parceiros, destacados em nota conjunta MRE–MJSP sobre o crime organizado transnacional.

Do ponto de vista analítico, podemos dizer que:

  • o Orcrim tende a alimentar a capacidade brasileira de honrar esses compromissos, ao melhorar a qualidade e integração das informações internas;
  • o eventual uso de seus produtos de inteligência em canais internacionais seguirá as regras gerais de cooperação jurídica e policial internacional, e não a portaria do Orcrim em si.

8. Potenciais impactos e desafios

Do ponto de vista de política pública e de inteligência, vemos alguns impactos positivos esperados:

  • Melhor priorização de recursos: capacidade de concentrar esforços em líderes de facções e redes estratégicas, em vez de ações dispersas.
  • Integração de dados fragmentados: superação de “ilhas de informação” entre estados e órgãos – um problema histórico da segurança pública brasileira.
  • Maior coerência federativa: alinhamento com o Susp e com a lógica de programas nacionais como o Captura.

Ao mesmo tempo, há desafios e riscos que merecem acompanhamento:

  1. Proteção de dados e direitos fundamentais: Reportagens anteriores sobre o uso do sistema Orcrim e de tecnologias como o sistema Córtex já apontaram preocupações com o potencial de monitoramento amplo e a necessidade de critérios claros, transparência e controles internos.
  2. Governança de acesso e trilhas de auditoria: Quanto mais órgãos tiverem acesso, maior a importância de:
    • registrar quem acessa o quê, quando e para qual finalidade;
    • garantir treinamento adequado em segurança da informação.
  3. Integração com o sistema de justiça: Como os dados não podem ser usados diretamente como prova, será fundamental:
    • estabelecer rotinas claras de “inteligência → investigação → prova”;
    • evitar confusões entre informação de inteligência e elementos judicializáveis.
  4. Avaliação de resultados: Para além da retórica, o sistema precisará demonstrar:
    • impacto em aumento de prisões qualificadas de lideranças;
    • desarticulação de redes (e não apenas prisões dispersas);
    • apoio a políticas de descapitalização das organizações criminosas, como indicam análises recentes sobre estratégia de enfrentamento ao crime organizado no Brasil

Referências utilizadas

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