O ramo do Direito chamado “Investigação Direta pela Defesa”, ou Investigação Defensiva, refere-se ao conjunto de atividades investigativas realizadas por advogados e investigadores particulares a serviço da defesa de um acusado em processos criminais. Essa prática é essencial para garantir o princípio da ampla defesa, assegurando que o acusado possa ter uma oportunidade equitativa de contestar as acusações contra ele.
A Investigação Defensiva é uma forma de equilibrar as ações da acusação que, geralmente, dispõe de recursos investigativos significativos por meio da polícia ou do Ministério Público.
Na Investigação Direta pela Defesa, os advogados e seus auxiliares têm a liberdade de buscar, coletar e apresentar provas e informações que sejam favoráveis ao réu, incluindo:
- Entrevistas com testemunhas: A equipe de defesa pode procurar e entrevistar testemunhas que possam fornecer depoimentos ou informações que apoiem a versão dos fatos apresentada pelo réu.
- Recolhimento de provas: Isso pode envolver a coleta de documentos, gravações, dados eletrônicos, entre outros, que possam ajudar a construir a defesa ou contradizer as evidências apresentadas pela acusação.
- Perícias independentes: A defesa pode contratar especialistas para analisar evidências chave ou realizar novos exames, visando obter uma interpretação técnica que suporte a defesa do acusado.
- Realizar análises técnicas: Contratar especialistas para analisar evidências apresentadas pela acusação ou para realizar novos exames técnicos, como perícias independentes citadas acima.
- Reconstituição de eventos: Em casos relevantes, pode-se realizar a reconstituição de eventos para verificar a plausibilidade de diferentes versões dos fatos.
A Investigação Defensiva é fundamental em sistemas jurídicos que operam sob o modelo adversarial, como é o caso de muitos países, incluindo o Brasil, onde a acusação e a defesa têm o dever de apresentar suas provas e argumentos de maneira competitiva e independente, cabendo ao juiz ou ao júri decidir com base nas evidências apresentadas.
Na prática, é possível realizar a Investigação Defensiva também para processos do ramo do Direito Civil.
Como Funciona a Investigação Direta pela Defesa no Brasil
No Brasil, a Investigação Direta pela Defesa não é regulamentada por uma legislação específica, mas é respaldada e reconhecida pelo ordenamento jurídico com base em princípios constitucionais e dispositivos processuais penais. As bases legais para a Investigação Defensiva incluem:
- Constituição Federal: O artigo 5º, LV, da Constituição Federal garante aos acusados o direito à ampla defesa e ao contraditório, o que implica a possibilidade de realizar investigações próprias para fortalecer a defesa.
- Código de Processo Penal (CPP): O CPP brasileiro, especialmente nos artigos relacionados ao direito de defesa, não proíbe expressamente a investigação pela defesa, o que permite interpretar que há espaço para tais atividades. Ademais, o artigo 14 do CPP menciona que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.
- Jurisprudência: Decisões dos tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm reconhecido a validade de provas obtidas por meio de investigações privadas realizadas pela defesa, desde que essas provas sejam obtidas de forma lícita e respeitando os direitos fundamentais.
Embora não haja um dispositivo legal específico que regule detalhadamente a Investigação Direta pela Defesa no Brasil, essa prática está alinhada com os princípios democráticos e processuais do sistema jurídico brasileiro. E o uso da Investigação Defensiva vem se expandindo pelos escritórios de advocacia do país.
Lembrando sempre que a conduta da Investigação Direta pela Defesa deve sempre respeitar os limites legais, especialmente em relação aos direitos das partes envolvidas e à licitude dos meios de prova.
Advogado de Defesa X Ministério Público: há equiparação de “armas”?
Na prática, a defesa técnica e o Ministério Público (MP) no Brasil têm acesso a diferentes recursos e capacidades no contexto processual, especialmente em processos criminais. Embora ambos devam operar sob o princípio do contraditório e da ampla defesa, existem diferenças significativas nas “armas” disponíveis para cada parte.
Algum advogado de defesa, por exemplo, consegue obter um Relatório de Inteligência Financeira (RIF), a seu pedido, para a defesa do seu cliente? Provavelmente não. O MP tem RIFs e muito a mais a seu dispor.
Recursos do Ministério Público:
- Poder Investigativo: O MP pode conduzir investigações criminais diretamente ou através do controle externo da atividade policial. Tem a capacidade de solicitar diligências investigativas, interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e fiscal, e outras medidas coercitivas com autorização judicial.
- Infraestrutura e Acesso: Geralmente, o MP possui acesso a recursos estatais mais amplos, incluindo o apoio de instituições policiais e técnicas. Isso lhes confere uma vantagem no que diz respeito à coleta e análise de evidências.
- Iniciativa Processual: O MP tem a prerrogativa de iniciar ações penais públicas, o que confere a essa instituição um papel proeminente no sistema de justiça criminal.
Recursos da Defesa Técnica:
- Independência: com a prática da Investigação Defensiva, a defesa técnica é totalmente independente e pode conduzir sua própria investigação para coletar provas favoráveis ao réu, o que inclui entrevistar testemunhas, contratar peritos independentes, e realizar investigações particulares.
- Recursos Limitados: A defesa pode não ter acesso aos mesmos recursos estatais que o MP e, muitas vezes, depende de recursos financeiros do próprio réu ou de apoios externos limitados para realizar investigações. A Investigação Direta pela Defesa tende a ser uma prática custosa. Já o Estado custeia o MP.
- Contraditório e Ampla Defesa: A defesa tem o direito de contestar todas as provas apresentadas pelo MP, solicitar revisão das decisões judiciais, e apresentar suas próprias provas e argumentos. Esse papel é um dos pontos centrais da Investigação Direta pela Defesa.
- Limitações Práticas: Apesar de teoricamente terem direitos equivalentes sob a lei, na prática a defesa muitas vezes lida com menos recursos e capacidades investigativas em comparação ao MP. Isso pode impactar a capacidade de montar uma defesa tão robusta quanto a acusação, principalmente em casos complexos com vastas evidências técnicas ou digitais.
Portanto, embora o sistema jurídico brasileiro vise manter um equilíbrio entre acusação e defesa, as “armas” disponíveis para cada um podem variar significativamente devido a diferenças em recursos, acesso a informações e capacidades investigativas.
A defesa muitas vezes precisa ser particularmente astuta e criativa para compensar essas diferenças. Neste sentido a Investigação Defensiva tende a ser um divisor de águas para os escritórios que investirem em capacidades investigativas e Inteligência.
Um Exemplo Cinematográfico de Investigação Defensiva
O filme “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento” é um excelente exemplo de Investigação Direta pela Defesa, embora o contexto seja um pouco diferente do usual. No filme, Erin Brockovich, que não é advogada, mas trabalha para um escritório de advocacia, envolve-se profundamente na investigação de um caso de contaminação ambiental que afeta uma comunidade inteira.
Aqui estão alguns elementos do filme que exemplificam a Investigação Direta pela Defesa:
- Coleta de Evidências: Erin Brockovich passa um tempo significativo coletando evidências, o que inclui documentos, registros médicos e depoimentos dos residentes afetados. Sua investigação é crucial para construir um caso sólido contra a Pacific Gas and Electric Company (PG&E), que estava contaminando a água local com cromo hexavalente.
- Entrevistas com Testemunhas: Ela pessoalmente visita muitas famílias afetadas, ganhando sua confiança e coletando informações que nem sempre são acessíveis através dos canais oficiais de investigação.
- Iniciativa e Persistência: Erin demonstra uma iniciativa excepcional e persistência em seguir pistas e obter informações detalhadas, muitas vezes enfrentando barreiras burocráticas e resistência de várias frentes.
- Impacto Legal e Social: A investigação conduzida por Erin e o subsequente caso legal não apenas proporcionam compensação financeira para as vítimas, mas também trazem mudanças significativas nas práticas empresariais e na consciência ambiental.
Embora a investigação no filme não seja dentro de um contexto criminal, e sim em um processo de ação civil coletiva, ela reflete o princípio fundamental da Investigação Direta pela Defesa, onde uma parte busca ativamente evidências e depoimentos para apoiar sua posição legal. O trabalho de Erin é um exemplo clássico de como a Investigação Defensiva pode ser decisiva em casos que envolvem direitos coletivos e questões ambientais.
A propósito, o filme é baseado em uma história real e você pode ler mais nesta matéria da ABC News.
Erin Brockovich entrevistando vítimas – Créditos imagem: Jersey Films e Columbia Pictures
Erin Brockovich coletando amostras – Créditos imagem: Jersey Films e Columbia Pictures
Investigação Defensiva e a Inteligência Estratégica
A Atividade de Inteligência pode contribuir significativamente com a Investigação Direta pela Defesa em diversos aspectos. Aqui estão alguns modos como a inteligência pode ser útil:
- Coleta de Informações: A inteligência pode auxiliar na coleta de informações relevantes sobre o caso, o ambiente e os envolvidos. Isso inclui a obtenção de dados públicos, registros e qualquer outra informação que possa ser legalmente acessada para fundamentar a defesa. Inteligência de Fontes Abertas ou, Open Source Intelligence, trata exatamente disso. (colocar link para o curso ou outro texto do blog)
- Análise de Dados: A inteligência especializada em análise pode ajudar a interpretar os dados coletados, identificando padrões, inconsistências ou possíveis erros nas acusações contra o defendido. A capacidade de analisar grandes volumes de dados pode ser especialmente útil em casos complexos.
- Contrainteligência: Em situações em que a informação sobre a defesa pode ser alvo de interceptações ou espionagem, a contrainteligência pode proteger essas informações, garantindo que a estratégia de defesa permaneça confidencial e segura.
- Avaliação de Testemunhos e Credibilidade: A atividade de inteligência pode auxiliar na avaliação da confiabilidade das testemunhas e da solidez de seus depoimentos. Isso pode incluir a verificação de antecedentes, comportamentos anteriores e possíveis conflitos de interesse. São procedimentos bem estabelecidos dentro da Atividade de Inteligência através dos conceitos de Background Check e Due Dilligence.
- Desenvolvimento de Linhas de Defesa Alternativas: A análise profunda proporcionada pela Atividade de Inteligência pode revelar novas linhas de defesa ou mitigação que não seriam óbvias sem uma investigação detalhada.
Essas contribuições, quando integradas de forma ética e legal dentro do marco regulatório que governa a defesa e a atividade de inteligência, podem fortalecer significativamente a capacidade da defesa de apresentar um caso robusto e bem fundamentado.
Percebe-se então o valor da Investigação Defensiva no sistema judiciário, e nos interesses da sociedade através da busca de equilíbrio nas relações processuais.
Mais ainda, é nítido que a Investigação Direta pela Defensa tem muito a ganhar com os conhecimentos e métodos propiciados pela Atividade de Inteligência. O Cátedra, antenado e aderente com novos campos de atuação para a Inteligência, desenvolveu o Curso Investigação Defensiva, com conteúdos práticos, professor com ampla expertise na condução da prática, e com conteúdos da Atividade de Inteligência.