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Ações de busca

As Ações de Busca de Inteligência como ferramentas úteis à Investigação Criminal

  • 29 agosto, 2022

O que são as Ações de Busca?

As ações de busca são operações deliberadas realizadas por forças de segurança, inteligência ou defesa com o objetivo de localizar pessoas, objetos, informações ou vestígios de interesse operacional. Essas ações podem ocorrer em diversos contextos – como segurança pública, operações militares, atividades de inteligência ou resgate – e envolvem planejamento técnico, protocolos específicos e, muitas vezes, integração interagências.

Artigo: As Ações de Busca de Inteligência como ferramentas úteis à Investigação Criminal

Este artigo se presta a demonstrar as Ações de Busca da Inteligência de Segurança Pública que são utilizadas em apoio à Investigação Criminal, sem misturar os ramos da Inteligência e Investigação, cujos propósitos são diversos. Procurou-se abordar os conceitos das Ações de Busca e apresentar cenários em que esses institutos são uteis ao Inquérito Policial, no momento em que se verifica uma composição, em constante evolução, pelas organizações criminosas.

A partir da análise dos conceitos foi possível demonstrar que os ensinamentos da Inteligência de Segurança Pública tem muito a contribuir com o trabalho diuturno da Polícia Judiciária. O trabalho foi elaborado através de uma pesquisa bibliográfica.

Introdução

Na atualidade tem-se verificado uma integração significativa entre diversas facções criminosas do país. O que era regionalizado, passa a ser global, e alianças são formadas no dia a dia. A microcriminalidade dá lugar à macrocriminalidade nos dizeres de Brizzi (2009):

A microcriminalidade é identificada como um fenômeno individual, ao contrário da macrocriminalidade, que é um fenômeno eminentemente econômico. O microcriminoso é considerado isoladamente, como um indivíduo que se encontra à margem da vida social, geralmente envolvido em delitos comuns, praticados a toda hora nas grandes e pequenas cidades, tais como homicídio, roubo, furto, lesões corporais, estupro, ameaça, calúnia, injúria e difamação, dentre outros. […] A macrocriminalidade, diversamente da microcriminalidade, que se constitui como o somatório dos delitos individuais, configura-se pela existência de blocos de criminalidade, tendo o lucro como único objetivo.

É de se considerar essa visão da macrocriminalidade, ou seja, o lucro. Embora a origem das maiores facções criminosas do Brasil tenha sido a organização com o objetivo de reinvindicações no sistema prisional, após esse breve momento a visão empresarial ganhou espaço e o lucro, além do poder, dominaram a mente dos indivíduos envolvidos com o crime.

Isso evoluiu de forma que hoje a Inteligência de Segurança Pública e a Investigação Criminal precisam se reinventar a todo o instante, para acompanhar os desafios diários que o trabalho impõe. E um desses desafios é avançar no progresso tecnológico da investigação, sem desprezar a utilização das ações de busca de inteligência que, quando bem realizadas, podem surtir um efeito positivo no combate ao crime.

Tão importante o auxílio da Inteligência Policial para a Investigação Criminal que a Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal (2022, pag. 65-66) destaca:

“[…]Com efeito, o potencial de aplicação da inteligência policial como instrumento auxiliar da investigação criminal e de sua gestão é grande e variado e impacta todo o campo de atuação policial, agregando informações, otimizando recursos, aprimorando a eficácia das investigações, tornando-as mais céleres, eficientes e efetivas. Ao se projetar, por exemplo, o caráter antecipatório ou preditivo da inteligência policial em relação a determinados fenômenos criminosos, e mediante ações policiais adequadas prevenirmos tais condutas, se terá, necessariamente, um menor número de investigações, o que permitirá maior concentração de esforços nos inquéritos existentes, além de foco nos mais relevantes – viés estratégico. […] É o princípio da liberdade probatória no processo penal que autoriza o uso de um dado ou conhecimento de inteligência na instrução da investigação, com fundamento na busca da verdade real para provar a inocência ou a culpa dos investigados e réus, vedando-se, obviamente, os meios probatórios inidôneos e inválidos, além daqueles que atentem contra a moralidade e a dignidade da pessoa humana.”

Referencial teórico

A Atividade de Inteligência de Segurança Pública, segundo a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública (2021), é

“o exercício permanente e sistemático de ações especializadas destinadas à identificação, à avaliação e ao acompanhamento de ameaças reais e potenciais no âmbito da segurança pública, orientadas para a produção e a salvaguarda de conhecimentos necessários ao processo decisório no curso do planejamento e da execução da PNSPDS e das ações destinadas à prevenção, à neutralização e à repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

O mesmo dispositivo legal, ainda explica quais são os ramos da Inteligência de Segurança Pública, como Inteligência de Segurança Pública e Contrainteligência de Segurança Pública. O primeiro ramo tem a tarefa de produzir conhecimentos para o assessoramento; o segundo, se presta a proteger a atividade como um todo.

As operações de inteligência são desencadeadas sempre que houver a necessidade de busca de um dado negado, num universo antagônico e de difícil obtenção. Para tanto, é necessário o uso de técnicas, material e pessoal especializados (DNISP 2015). Ademais, as operações de inteligência são perfectibilizadas através das ações de busca, no caso, em se tratando de inteligência de segurança pública, as ações de busca estão elencadas na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública.

Quais são as Ações de Busca

Segundo a Dnisp (2015) são ações de busca:

  • Reconhecimento
  • Vigilância
  • Recrutamento operacional
  • Infiltração
  • Desinformação
  • Provocação
  • Entrevista
  • Entrada
  • Interceptação de sinais e de dados.

A infiltração, a entrada e a interceptação de sinais e de dados são ações de busca que dependem de autorização judicial e, por esta razão, são denominadas de ações de inteligência policial judiciária.

Por reconhecimento (RECON), segundo referem Wendt e Barreto (2013) “é a ação de busca realizada para obter dados sobre o ambiente operacional ou identificar visualmente uma pessoa. Normalmente é uma ação preparatória que subsidia o planejamento de uma Operação de Inteligência Policial”. Da leitura do conceito, pode-se imaginar que o RECON é uma ação específica das operações de inteligência. Mas sabe-se que, normalmente, para o sucesso de qualquer operação policial de cumprimento de mandados, prisão, etc., é imprescindível que as equipes que darão cumprimento à ordem judicial conheçam o ambiente em que deverão executar demanda. Conhecer o ambiente operacional é fundamental para o sucesso das cautelares e, da mesma forma, para a feitura de uma boa operação de inteligência.

No RECON, assim como em outras ações de busca, é imprescindível que o agente de inteligência, ou seja, aquele vinculado ao elemento de operações (núcleo de uma Agência de Inteligência que planeja as operações de inteligência), domine as técnicas operacionais de inteligência, que darão suporte para execução da missão. Pode-se citar a Observação, Memorização e Descrição (OMD) como uma técnica útil a um bom reconhecimento.

A vigilância (VIG) consiste em manter sob observação contínua um alvo, que pode ser uma pessoa, um veículo, um objeto, áreas ou instalações. A depender do objetivo dessa ação de busca, a vigilância poderá ser ostensiva, quando o alvo tem conhecimento de que está sendo observado, ou sigilosa, quando o alvo não sabe que está sendo vigiado. Uma das técnicas operacionais mais utilizadas na vigilância são as comunicações sigilosas. A vigilância é de grande utilidade nas investigações, principalmente, quando se tem a necessidade de identificar alvos e averiguar suas atividades.

Recrutamento operacional é a ação de busca que tem a finalidade de convencer uma pessoa, não pertencente à Agência de Inteligência, a trabalhar em benefício desta. Embora o recrutamento tenha diversas fases, bem como um controle rígido do recrutador e recutrado, é possível utilizar alguns ensinamentos dessa ação de busca para o trato com colaboradores e informantes, por vezes úteis nas investigações da Polícia Judiciária.

A infiltração policial é a colocação de um agente junto ao alvo para buscar o dado negado, que não pode ser obtido de outra forma. Quando necessária à busca de provas, deverá ser precedida de autorização judicial. A infiltração depende de um planejamento detalhado e deve ser executada por agentes que possuem o domínio de técnicas operacionais, como por exemplo, a estória cobertura.

A Lei nº 12.850 de 2 de agosto de 2013 traz a infiltração como um meio de obtenção de provas. Da mesma forma, há a previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente a possibilidade de infiltração virtual. Tais institutos permitem uma investigação mais apurada, com possibilidades importantes de buscar-se autoria e materialidade.

Embora a infiltração seja uma ação de busca utilizada pela Atividade de Inteligência com a finalidade de assessoramento, em se tratando de Inteligência de Polícia Judiciária, é prudente que haja o resguardo da autorização judicial e, se for o caso, ação controlada, que permite a obtenção de provas efetivamente úteis, propiciando a atuação da Polícia Judiciária em momento oportuno.

A desinformação é a ação de busca que visa confundir alvos, a fim de induzi-los a cometer erros de apreciação, levando-os a executar um comportamento predeterminado.  Não é comumente utilizada pela investigação criminal, apesar de que pode ter sua aplicabilidade em questões específicas.

A provocação depende de um alto nível de especialização e tem a finalidade de fazer com que um alvo modifique seus procedimentos e execute algo esperado pelo órgão de inteligência. A exemplo da desinformação, não costuma ser utilizada, embora não deva ser desprezada a depender da investigação que está sendo conduzida.

A entrevista é conceituada pela Dnisp (2015) como uma conversação mantida com propósitos definidos planejada e controlada pelo entrevistador. O ato de entrevistar é inerente à atividade policial. A entrevista faz parte do dia a dia da atividade policial de forma que as oitivas são os primeiros atos para o deslinde de um Inquérito Policial. Todavia, a entrevista da atividade de inteligência não se confunde com as oitivas e interrogatórios policiais. Neste aspecto, é prudente que os Delegados de Polícia, que conduzem as investigações, sejam conhecedores das técnicas de entrevista, pois estas permitem uma melhor abordagem aos questionamentos que serão feitos, além de prezar pelo estabelecimento de um rapport, fazendo com que a pessoa ouvida sinta-se a vontade para declarar.

Outra ação de busca importante, inclusive na investigação criminal, é a entrada, que depende de autorização judicial quando se objetiva a busca de provas. A entrada acontece em locais de acesso restrito e sem que os responsáveis tenham conhecimento da ação.

Por fim, a interceptação de dados e sinais foi, durante muito tempo, uma das provas mais utilizadas para busca de autoria e materialidade nos Inquéritos Policiais. Assim como a infiltração e a entrada, depende de autorização judicial para ser implementada. Diante do avanço tecnológico, das diversas formas de conversação, através de aplicativos de mensageria, bem como do descortinamento desta técnica na mídia, a Interceptação perdeu um pouco o espaço, embora seja útil e ainda possua valor em algumas investigações.

Como citado por Leal (2016):

“Assim como a atividade de inteligência se vale das ações de busca e das técnicas operacionais para produzir o conhecimento que irá nortear a decisão a ser tomada pelo chefe de Estado ou de governo (caso da inteligência clássica) ou o secretário de segurança pública ou diretor da Polícia Federal, por exemplo (caso da inteligência de segurança pública), também a atividade de investigação e de persecução criminal precisam se valer de meios apropriados para produzir o seu conhecimento, e assim poder balizar a decisão a ser tomada pela autoridade policial, pelo membro do Ministério Público ou pelo magistrado, meios esses chamados de provas, ou meios de prova[…].”

Procedimentos metodológicos

Este artigo foi elaborado através de pesquisa bibliográfica de literaturas, artigos, doutrinas e monografias que tratam do assunto. Considerando os diversos escritos disponíveis a respeito do tema, não se teve aqui a pretensão de esgotar a abordagem, mas de exemplificar os diversos conceitos e a ligação existente entre as ações de busca e a investigação criminal.

Considerações Finais sobre as Ações de Busca

A Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública (2021), quando conceitua a Atividade de Inteligência, refere que parte do seu escopo se presta a “ações destinadas à prevenção, à neutralização e à repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio”.  Quando se fala em repressão não é possível dissociar completamente a Atividade de Inteligência da Atividade de Investigação Criminal.

Neste aspecto, é evidente que os institutos possuem regramentos e objetivos, num primeiro momento, diversos. Mas a investigação criminal precisa se alicerçar, quando cabível, nas ações de busca da Atividade de Inteligência Policial Judiciária, com a observância dos regramentos pertinentes.

A observância aos regramentos, tanto da Inteligência, quanto do Processo Penal, resguardará a Atividade de Inteligência e zelará, no caso da investigação, pela admissibilidade das provas produzidas. Importante, ter-se a clareza da finalidade da ação de busca a ser executada.

Procurou-se com esse artigo fomentar a discussão sobre as ações de busca e sua utilização em apoio à Investigação Criminal. Ainda, demonstrar que o regramento das ações de busca podem ser úteis em atividades similares, próprias da investigação, como a interceptação de sinais e de dados, infiltração, vigilância, etc.

Para trazer luz à discussão buscou-se conceitos que são utilizados diuturnamente pelas Polícias, tanto no nível da Inteligência de Segurança Pública, quanto na Investigação Criminal.

É necessário um amadurecimento da utilização da Inteligência na Investigação, mantendo cada uma em seu devido lugar, mas proporcionando um compartilhamento de conhecimentos que serão úteis no combate ao crime.

Por Simone Viana Chaves Moreira, Delegada de Polícia Civil RS

Referências

  • BRASIL. Decreto n.º 10.777 de 24 de agosto de 2021. Institui a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública.
  • BRASIL. Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública. 2015
  • BRASIL. Doutrina de Inteligência Policial da Polícia Federal. 2022
  • BRADIL. Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência. 2016.
  • BRIZZI, Carla Caldas Fontenele. A globalização e os novos paradigmas do direito penal no combate ao terrorismo. 2009.
  • GONÇALVES, J. B.  Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. (Niterói/RJ).
  • Editora Impetus. 2018
  • CUNHA, R. J. C. C. SISP – Fundamentos Doutrinários. Princípios de ISP.
  • LEAL, E. O. Técnicas Operacionais de Inteligência e Ações de Busca na Produção de Provas em Investigação e Processo Criminal – Admissibilidade e Limites. Monografia. 2016
  • PLATT, W. A produção de Informações Estratégicas. (Rio de Janeiro). Livraria Agir Editora. 1967.
  • Sousa, A. S. S. Oliveira,  G. S. Alves, L. H. A Pesquisa Bibliográfica: Princípios e Fundamentos. 2021.
  • WENDT, E., BARRETO, A. G. Inteligência Digital. Editora Brasport. 2013.

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