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O novo Marco da Investigação Criminal: a Portaria MJSP 961/2025 transforma o uso de tecnologia e inteligência artificial no Brasil

  • 8 julho, 2025

Introdução: um novo tempo para a investigação criminal

A investigação criminal brasileira acaba de entrar em uma nova era. Com a publicação da Portaria MJSP nº 961, de 24 de junho de 2025, o Ministério da Justiça e Segurança Pública estabelece, pela primeira vez de forma detalhada, diretrizes claras para o uso de soluções de tecnologia da informação e inteligência artificial no âmbito da segurança pública e da investigação.

Não se trata apenas de um ato administrativo. Trata-se de um marco regulatório que poderá redefinir os rumos da investigação criminal no país, impondo limites, exigindo responsabilidade e, ao mesmo tempo, abrindo portas para uma nova geração de soluções investigativas baseadas em dados, inteligência, interoperabilidade e inferência algorítmica.

Neste artigo, vamos explorar os principais pontos da Portaria, suas implicações práticas, os desafios que impõe às instituições e os caminhos que se abrem para o futuro da segurança pública, da investigação e da inteligência estatal.

Um instrumento regulatório inédito e necessário

A Portaria nº 961/2025 surge em um momento estratégico. O Brasil vive o crescimento exponencial do uso de tecnologias em setores sensíveis da administração pública, incluindo a investigação criminal, o monitoramento eletrônico, a segurança penitenciária e a produção de conhecimento pela inteligência de segurança pública.

Até então, o uso dessas ferramentas ocorria de forma fragmentada, muitas vezes sem critérios técnicos padronizados ou diretrizes legais bem definidas. A nova norma, ao reunir em um único instrumento princípios, restrições e obrigações, confere segurança jurídica tanto aos órgãos de investigação quanto à sociedade, que passa a ter garantias mais claras quanto à proteção de seus direitos fundamentais frente ao uso da inteligência aplicada à segurança.

O que a Portaria MJSP nº 961/2025 regulamenta

A Portaria estabelece diretrizes que abrangem todos os órgãos federais de segurança pública – Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Penal Federal, Força Nacional, entre outros – e também condiciona o uso de recursos dos fundos nacionais (FNSP e FUNPEN) à observância dessas normas por estados e municípios, sempre no contexto de investigações criminais e ações de inteligência pública.

Entre os temas centrais tratados, destacam-se:

  • A legalidade e a proporcionalidade no uso de soluções tecnológicas em investigações e operações de inteligência;
  • Os critérios para a utilização de inteligência artificial, inclusive com vedações explícitas à identificação biométrica em tempo real em locais públicos;
  • A exigência de registro completo de logs, controle de acessos e auditoria em processos de investigação digital;
  • A obrigação de capacitação de agentes, revisão contratual e conformidade normativa para garantir a integridade da inteligência aplicada à segurança.

A seguir, detalhamos os pontos mais relevantes do texto normativo que impactam diretamente o cotidiano das investigações.

Princípios que equilibram tecnologia, investigação criminal e direitos fundamentais

Um dos méritos da Portaria é deixar claro que o uso de tecnologia na segurança pública não pode estar acima da Constituição, mesmo quando se trata de investigações relevantes ou de inteligência sensível. O texto reafirma valores como:

  • Respeito à privacidade e intimidade dos investigados e terceiros;
  • Proteção de dados pessoais coletados durante operações de inteligência;
  • Proporcionalidade no uso da força tecnológica na investigação;
  • Transparência, auditabilidade e prestação de contas nas ações de inteligência e apuração criminal.

Esses princípios refletem não apenas um compromisso com o Estado de Direito, mas também alinhamento com boas práticas internacionais, especialmente no contexto de crescente preocupação com o uso abusivo de tecnologias de vigilância nas investigações e na produção de inteligência.

A inteligência artificial como ferramenta da investigação — não como oráculo

A Portaria dedica uma seção específica ao uso de inteligência artificial (IA), deixando clara a sua utilidade na investigação e na produção de inteligência de segurança pública, mas também os riscos de um uso sem controle.

A norma permite o uso de IA desde que observados critérios de proporcionalidade, prevenção de riscos e controle humano sobre decisões baseadas em algoritmos. Ou seja:

Nenhuma inferência algorítmica pode, por si só, justificar uma ação de força ou uma privação de liberdade no curso de uma investigação.

Além disso, vedou-se expressamente o uso da identificação biométrica à distância, em tempo real, em espaços públicos, exceto em situações extremamente justificadas por investigações em andamento ou inteligência operacional crítica.

Essa limitação é um avanço importante no combate ao que se convencionou chamar de “vigilantismo algorítmico”, prática cada vez mais criticada no mundo por seus impactos desproporcionais sobre populações vulneráveis em contextos de investigação ou coleta de inteligência.

Cadeia de custódia digital: integridade das provas em investigações com apoio da inteligência

Outro avanço da Portaria é o fortalecimento da cadeia de custódia digital em investigações que utilizam ferramentas de inteligência e soluções tecnológicas. Ao prever medidas de integridade, autenticação e preservação de dados obtidos por meios tecnológicos, o texto reconhece que a prova digital deve ser tratada com o mesmo rigor que qualquer outro meio probatório em uma investigação criminal.

Isso exige que:

  • Toda extração de dados de dispositivos seja registrada no contexto da investigação;
  • Os acessos sejam auditáveis e limitados aos agentes de inteligência e investigação;
  • As informações irrelevantes sejam descartadas com base nos critérios legais;
  • Haja comunicação ao Judiciário sobre elementos fortuitos encontrados durante ações investigativas amparadas por inteligência artificial.

Esses dispositivos reforçam a legitimidade das provas digitais em juízo, combatendo contestações sobre adulteração ou acesso indevido durante investigações conduzidas com ferramentas de inteligência.

Desafios para as instituições: conformidade, investigação estruturada e inteligência responsável

Se por um lado a Portaria inaugura um novo patamar de modernização investigativa, por outro ela impõe desafios significativos às instituições de segurança pública e aos setores de inteligência estratégica:

  1. Atualização contratual e normativa: órgãos gestores têm até 90 dias para revisar contratos, licitações e normas internas relacionadas à investigação e uso de inteligência;
  2. Plano de conformidade: é necessário apresentar, no mesmo prazo, um plano de adequação técnica e organizacional das estruturas de investigação e inteligência;
  3. Capacitação de pessoal: a Portaria exige que o uso das soluções seja feito por profissionais treinados, com ênfase nas boas práticas de investigação e análise de inteligência criminal.

Essas exigências demandam investimento, governança e mudança cultural. A tecnologia, por si só, não melhora as investigações. É preciso preparo humano, políticas de controle e compromisso ético com a inteligência e o processo investigativo.

Oportunidade para inovação em investigação e inteligência de segurança

Apesar dos desafios, a Portaria representa também uma janela de oportunidade para modernizar o sistema investigativo brasileiro e elevar o nível das estruturas de inteligência. Instituições que se anteciparem na adoção das diretrizes podem se tornar referências em governança digital aplicada à investigação e à inteligência de segurança pública.

Alguns caminhos para a inovação incluem:

  • Interoperabilidade entre bases de dados de inteligência e investigação criminal;
  • Adoção de plataformas com inteligência artificial explicável (XAI) voltadas à investigação;
  • Consolidação de núcleos especializados em ciência de dados e análise de inteligência investigativa;
  • Integração de sistemas de extração, cruzamento e visualização de dados com foco na eficácia investigativa.

Além disso, é possível aproveitar esse momento para aproximar as forças de segurança de universidades, startups e centros de pesquisa, promovendo ecossistemas colaborativos voltados à investigação de alto desempenho e à produção qualificada de inteligência.

Investigação criminal, inteligência e direito: conexões que não podem mais ser ignoradas

Se você atua com direito digital, proteção de dados, perícia criminal, investigação ou inteligência estratégica, a Portaria MJSP nº 961/2025 é leitura obrigatória. Ela reconfigura as bases legais para o uso de tecnologia investigativa e inteligência automatizada, cria critérios técnicos e estabelece responsabilidades concretas.

Para os operadores do direito, abre espaço para novas provas e novos contenciosos envolvendo investigação e uso de dados sensíveis. Para os profissionais de inteligência e investigação digital, é o início de uma fase em que ética, conformidade e inovação caminham juntos.

Conclusão: o futuro da investigação criminal passa pela inteligência

A Portaria MJSP nº 961/2025 marca o início de uma nova etapa na relação entre inteligência, investigação criminal e tecnologia no Brasil. Em vez de improviso, temos agora normas. Em vez de omissão, diretrizes. Em vez de risco descontrolado, parâmetros de segurança.

É um passo importante para assegurar que o uso de recursos avançados de informação e IA ocorra dentro de um ambiente legalmente estruturado, tecnicamente controlado e socialmente legítimo, tanto na produção de inteligência quanto na condução de investigações complexas.

A revolução digital na segurança pública já começou. E ela será, mais do que nunca, guiada por inteligência — e comprometida com investigações mais eficazes e responsáveis.

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